"Fazer o bem, sem olhar a quem"
A Origem
No sec.XVI, Tentúgal era sem dúvida uma das terras mais promissoras do vale do Mondego, pois tinha grande densidade populacional e grande desenvolvimento sócio-económico e cultural.
Na época, já existia em Tentúgal uma Confraria medieval, de S. Pedro e S. Domingos dotada com hospital, cozinha e botica, para prestar assistência médica aos mais pobres. Esta Confraria medieval era sustentada pelos que tinham terras de cultivo e portanto mais poder económico. Mas no séc. XV e XVI houve peste e maus anos agrícolas, o que originou grandes fomes e grande mortandade. Em consequência, aquela Confraria entrou em colapso económico e paralisou. Então os nobres aqui residentes, solicitaram ao Rei D. Sebastião o privilégio de se criar aqui uma Misericórdia, para socorro dos mais desfavorecidos.
No entretanto o jovem Rei morreu sem deixar descendentes, o que originou uma grave crise política, com guerra entre os pretendentes à coroa do Reino de Portugal. Por esse motivo, só em 1583 é que D. Filipe II de Espanha, recém aclamado Rei de Portugal, extinguiu a Confraria de S. Pedro e S. Domingos e instituiu em Tentúgal uma Misericórdia.
Na sua Provisão Real, o Rei D. Filipe I concedeu à Misericórdia de Tentúgal, todas as merçês e privilégios com que a Rainha D. Leonor tinha dotado a primeira Misericórdia portuguesa, criada por ela em Lisboa no ano de 1498. Nessa Provisão Real, o Rei beneficiou a Misericórdia com todos os bens patrimoniais da Confraria de S. Pedro e S. Domingos e também doou à Misericórdia de Tentúgal uma certa quantia de dinheiro, suficiente para a construção de uma Igreja e manutenção do Hospital. O Hospital da Misericórdia esteve activo até ao fim da primeira metade do séc. XX e foi lá que se cuidaram as pessoas afectadas pelo surto da “Pneumónica”.
A criação desta Misericórdia de Tentúgal está inserida num movimento iniciado no séc. XV pela Rainha D. Leonor, de protecção à saúde pública, numa época em que não havia hospitais públicos para os mais pobres.
A Igreja
A construção da Igreja da Misericórdia começou logo em 1583 e a obra foi entregue ao “imaginário” Tomé Velho da Lamarosa, que foi discípulo de João de Ruão na Escola Coimbrã, onde aprendeu a trabalhar a pedra.
A igreja é de traça renascentista e tem um pequeno adro em laje, bordejado por uma grade de ferro forjado já do sec. XVII. O adro está separado da via pública por dois degraus de pedra.
A fachada apresenta um bonito pórtico formado por um arco de volta perfeita com dois aros, sendo um decorado com motivos vegetalistas e outro com cabeças de anjo aladas. Ao nível das empostas Tomé Velho colocou duas imagens sobre mísulas e sob baldaquino, representando a cena da Anunciação. A entrada na igreja é enquadrada por duas colunas coríntias de fuste canelado, que sustentam o entablamento do pórtico. Acima deste, há um janelão ornado com aletas e motivos vegetalistas. Este janelão permite iluminar o interior da igreja e principalmente o Retábulo quinhentista da parede testeira. Junto da empena, Tomé Velho colocou uma escultura representando a “Mater Omnium”, que é o orago de todas as Misericórdias. Na fachada lateral esquerda foi adossada a “torre sineira”, com coruchéu revestido a azuleijo azul e branco, do sec. XVIII.
A igreja é de nave única e ampla, com cobertura de duas àguas e tem a zona do presbitério num plano sobrelevado. À entrada há uma pia para “àgua benta” em mármore e decorada com folhas de acanto. O coro alto está assente sobre um arco abatido, decorado com almofadas em alvenaria. Na parede do lado do evangelho há a Tribuna dos Mesários, de três vãos, divididos por duas colunas dóricas de fuste canelado, sobre podium. Do lado da epístola há um púlpito com bacia e escadaria em pedra e guarda em balaustrada de madeira. Ladeando o púlpito, duas janelas de iluminação e um nicho com porta de vidro, que guarda a imagem do Senhor da Cana Verde. A zona do presbitério está num plano sobrelevado e é servido por duas escadarias em pedra de declive suave. Por baixo do patamar do presbitério foi rasgado um nicho, onde Tomé Velho colocou uma Deposição no Túmulo, carregada de sentimento e onde está uma escultura em pedra de Jesus morto ladeado pelas Santas mulheres, João, José de Arimateia e Nicodemos.
Todo o trabalho escultórico da igreja é em calcáro, proveniente das pedreiras de Ançã e Portunhos e no Salão Nobre existem livros manuscritos, que nos informam dos pagamentos feitos a quem talhava a pedra, a transportava e esculpia. A 5 de Janeiro de 1950, o Dec. Lei nº 37728, classificou esta igreja como imóvel de interesse público.
A Atualidade
Com o passar do tempo, a Misericórdia de Tentúgal passou a ser uma Instituição de grande importância para a região e já nos finais do séc. XVII iniciou-se a construção da Casa do Despacho que terminou em 1756. Este edifício tem planta rectangular, dividida em dois pisos e na fachada apresenta um portal de moldura rectangular encimado por friso decorado e brasão com escudo nacional. No primeiro andar tem quatro janelas de sacada, com varandim de ferro forjado. Naquele tempo a Santa Casa, além do Capelão, tinha também escrivão e serviço de notariado, com cartório na sala que antecede o Salão Nobre. Numa época em que ainda não havia Bancos, a Misericórdia de Tentúgal também tinha actividade fiduciária, emprestando dinheiro aos mais pobres para que pudessem fazer os seus negócios. No Salão Nobre ainda existe um cofre, vulgarmente chamado de “burra”, onde se guardava o tesouro da Santa Casa e também as “Divitiae Pauperum”, isto é, as esmolas para acudir aos mais pobres nas suas doenças ou funeral e também para distribuir pelos mais necessitados na Quinta Feira Santa ou Quinta Feira de Endoenças.
A Misericórdia sempre foi uma instituição de grande prestígio e quando no início do sec XX o Convento do Carmo de Tentúgal foi encerrado e os seus bens vendidos, o Dr. António Soares Couceiro, Provedor da Misericórdia, adquiriu alguns desses bens destacando-se entre eles, uma escultura em madeira de Barroco Português, representando um “Ecce Homo” e que hoje está exposta na Tribuna dos Mesários. Este ilustre Provedor, ao ver os riquíssimos bens do Convento do Carmo a sairem de Tentúgal, vendidos ou arrolados para o Museu Machado de Castro, para o Museu Nacional das Belas Artes e outros, ofereceu-se como fiel depositário de algumas das imágens de grande devoção do povo de Tentúgal, comprometendo-se a devolvê-las à Igreja do Carmo e assim o fez em devido tempo. No entanto, no fim da primeira metade do sec. XX, em virtude das políticas do Estado português, a Misericórdia entra em decadência económica e encerra toda a sua actividade, que estava centrada no cumprimento do Compromisso instituído pela Rainha D. Leonor e que se baseava na execução prática das “Obras de Misericórdia” - dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, cuidar dos enfermos … etc.
Na década de oitenta o sr. P. José Gonçalves em conjunto com alguns elementos da Irmandade e o apoio da Cáritas Diocesana, revitalizaram a Misericórdia criando os serviços de Centro de Dia e de Apoio Domiciliário, dando assim assistência à população idosa da freguesia de Tentúgal e lugares limitrofes.
Já no final do sec XX, a Misericórdia recebeu por doação de Adrião Forjaz de Sampaio, o edifício do antigo Solar da família Viegas de Morais, para aí instalar a Valência de Lar. Este edifício, cuja fachada é uma obra de arquitectura barroca, situa-se do lado sul da Igreja da Misericórdia.
Hoje a Misericórdia de Tentúgal continua a prestar apoio à Anciania e a todos os que precisam de ajuda e é uma mais valia no tecido empresarial de Tentúgal, pois é uma pequena empresa que garante emprego a vinte e duas funcionárias e dá suporte e apoio às famílias que pedem ajuda para garantir o Bem-estar dos seus Idosos.
